Momento de Ternura

O perfume de alfazema, embora discreto e suave, fica pela casa depois que Mariana vai embora. E no rosto de Ellena, quando se despedem com dois beijos. E nas suas mãos, que ela de vez em quando leva juntas ao rosto, só pra sentir mais uma vez o perfume da aluna. 

Entre aulas, pesquisas e passeios de bonde, Ellena e Mariana vão se tornando cada vez mais próximas, descobrem afinidades, interesses comuns. Sentem-se muito bem na companhia uma da outra e desenvolvem mútua admiração e forte afeição. Os dias de estudos são aguardados com ansiedade, já os fins de semana passam monótonos, arrastados. Ainda bem que tem a missa das tardes de domingo, onde Ellena sempre encontra Mariana e a avó. As duas, neta e avó, costumam sentar-se um pouco mais à frente, e Ellena passa a missa inteira observando Mariana de longe. Fica o tempo todo distraída, vendo a brisa da viração brincar com os seus cabelos anelados, completamente desligada do andamento da celebração. 

Começa a entender agora a razão daquele desassossego, quando sentiu o perfume da aluna, naquela tarde, enquanto esperavam pelo começo da missa. Seria apenas uma grande amizade que estava começando, pensa Ellena. Gostam das mesmas coisas, divertem-se quando estão juntas, começam a trocar confidências. E agora têm um projeto em comum, a pesquisa sobre o antepassado da aluna. Tudo contribui para que se sintam cada vez mais próximas. 

Muitas vezes, Ellena se perde no assunto da aula observando os lábios morenos e os dentes perfeitos de Mariana. Observa as suas mãos delicadas, a pele bronzeada, as unhas bem cuidadas, naturais. Acompanha, hipnotizada, a variação de tonalidade dos seus claros olhos de mel contra a luz. O perfume de alfazema, embora discreto e suave, fica pela casa depois que ela vai embora. E no rosto de Ellena, quando se despedem com dois beijos. E nas suas mãos, que ela de vez em quando leva juntas ao rosto, só pra sentir mais uma vez o perfume da aluna. É mais que amizade, muito mais. É um sentimento novo, inesperado, desconhecido, que foi chegando sorrateiro e tomou conta do seu coração. Uma sensação de encantamento nunca antes experimentada por ela. E ainda veio acompanhada de uma atração física inexplicável, quase incontrolável, deixando-a confusa, perplexa. Ellena chega a se emocionar pensando em Mariana, quando não estão juntas. E aguarda ansiosa o momento de se reencontrarem. Chega a sentir medo de não conseguir controlar seus impulsos, fica a ponto de perder a respiração na presença da aluna. Será que Mariana já percebeu alguma coisa? Será que gosta? Ou se sente incomodada? Ellena luta contra o desejo de tentar se aproximar dela fisicamente. Tem que manter a postura recomendada para sua condição de professora.  

A cada encontro, a atração se mostra mais intensa. E a ansiedade também. Não vê a hora de Mariana chegar. Quando ela bate palmas na porta, seu coração só falta saltar pela boca. Fica imaginando como Mariana reagiria a uma aproximação. 

Ellena senta-se na cabeceira e Mariana à sua esquerda, bem próximas, para melhor explicar as matérias. De vez em quando os joelhos se tocam, mas Ellena recolhe o seu, com receio de que Mariana se sinta incomodada. Tem muito carinho pela aluna, mas também muito respeito. Mas a atração vai se tornando difícil de controlar.  

Olham-se com ternura, trocam sorrisos imotivados. Ellena percebe que Mariana se sente à vontade com seus gestos de carinho e demonstra ser receptiva. A aproximação torna-se inevitável. Novamente os joelhos se tocam, Ellena deixa ficar o seu e observa a reação de Mariana, que não demonstra se incomodar e não se afasta. Enquanto aponta um tópico da matéria com a caneta, as mãos também se aproximam até se tocarem, e Ellena faz deslizar os seus dedos delicadamente sobre os dedos de Mariana, que aceita e retribui o gesto. Entreolham-se e sorriem com cumplicidade. Estão completamente desligadas do mundo à sua volta, absorvidas por aquele momento de ternura e encantamento, quando percebem a aproximação de Bazinha. Ellena consulta o relógio e vê que já passa muito das cinco horas e precisa encerrar a aula. Logo Arthur chegará do trabalho. Recolhem o material e Ellena leva Mariana até a porta do meio. Ao se despedirem, Mariana encosta os seus lábios nos de Ellena, baixa o olhar e se vira em direção à rua. Surpresa, Ellena sente seu coração disparar. Fecha a porta, mas não resiste e corre até a janela para acompanhar os passos da aluna. Quando chega ao final do quarteirão, Mariana vira-se discretamente e percebe Ellena na janela. Trocam um aceno e um sorriso.  

Ellena está em êxtase, encantada, excitada. Joga-se na cama, pega o travesseiro ao lado e o abraça, como se abraçasse Mariana. Leva as mãos ao rosto pra sentir uma vez mais o seu perfume. Surpresa e ao mesmo tempo encantada com esse novo sentimento, Ellena não cabe em si de tanta felicidade. A relação tinha mudado de patamar. 

O jantar, ao lado do marido, transcorre monótono, desinteressante. Ele lhe fala dos assuntos da fábrica, motivado com a discreta recuperação dos negócios. Ellena se esforça pra lhe dar atenção, mas o seu pensamento está muito longe daquela mesa. 


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